A cantora maranhense radicada na Bahia Iuna Falcão tem mostrado em seus lançamentos o poder da sua voz expressiva, autêntica e contemporânea. Representando a nova MPB – Música Preta Brasileira, a artista lança hoje seu aguardado álbum “Transe”, com um encontro diaspórico entre os gêneros ancestrais maranhenses e as programações do synth-pop.
O projeto chega às plataformas acompanhado de visualizers em seu canal do YouTube, trazendo no repertório trabalhos com Lazzo Matumbi, Theodoro Nagô e Xênia França. O primeiro álbum de Iuna tem direção musical e arranjos de Lucas Cirillo, e já chegou com as canções “Silêncio” e “Segredo Solar” indicadas aos prêmios Multishow e Rádio Educadora, respectivamente.
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“O conceito do álbum gira em torno da presentificação de ancestrais vivos, seja através das letras, ou através das referências musicais expressas na melodia e no arranjo. O tema principal a ser abordado, além da força da mulher negra, é a cultura maranhense. A estética que buscamos trazer está baseada nos instrumentos percussivos maranhenses, mas carrega também referências do hip hop dos anos 90 na bateria, juntamente com os sintetizadores do teclado que trazem uma energia futurística”, diz.
Em uma breve descrição sobre Transe, Iuna disserta que os arranjos foram criados com base no estudo dos sistemas de claves rítmicas do saudoso maestro Letieres Leite, o UPB-Universo Percussivo Baiano. Traduzindo os princípios das claves, oralidade e circularidade para a linguagens contemporâneas, as músicas do álbum assumem uma perspectiva visual, que honra a diversidade cultural de São Luís-MA.
Transe é uma narrativa sonora sobre as referências de vida de Iuna. Na chegada, o som se apresenta como jazz, R&B cibernético maranhense, mas depois segue polifonia das linguagens territoriais. “É o boi do Maracanã e de Leonardo festejados desde sempre, são as aparelhagens da Estrela do Som ou o cacuriá de dona Teté, em outro ponto é a chegança em Salvador, mas também é a lembrança do grave do tambor onça que agora é assumido pelo baixo de Be-Atrz”.
As máquinas de ritmo tocam o batuko de cabo-verde, e o piano eletrônico de Vitor Arantes brinca com os timbres atualizando o tempo-agora. Os arranjos de bateria foram criados tendo como referência as sonoridades do neo-soul, após a revolução rítmica proposta pelas colagens geniais de J-Dilla. O mestre Carlos Bala e os geniais Daniel Pinheiro e Kau Caldas assinam a linguagem da bateria. A percussão é telúrica, no chão, como ponto de aterramento, e as vezes timbrada eletronicamente. O mestre Vihdavice assina todos os instrumentos maranhenses e timbres, e o sotaque baiano em “Silêncio” e “Não Tempo” ficou por conta de Riccardo Braga.
As composições são assinadas por Lucas Cirillo e Iuna Falcão, mas também tem letra de Luedji Luna e Héloa. Refletindo sobre a natureza das coisas e concebendo a negritude nesse lugar de criação, o álbum é recortado por interlúdios que contam um pouco sobre as encruzilhadas sonoras percorridas até aqui. Os interlúdios foram pensados para promover uma experiência única para cada pessoa, modificada ao público escolher escutar o álbum faixa-a-faixa ou no modo aleatório.
O álbum começa pela vinheta do Boi de Maracanã, seguido por Feito Duna, primeira faixa do disco, que carrega o nome de Iuna na letra, mas também por ter uma energia de mistério, revelação, algo a ser descoberto. A segunda faixa é o primeiro feat a ser revelado. Escarlate traz o feat com Theodoro Nagô e carrega abertura de vozes, com uma melodia super envolvente que dá a sensação de crescente no disco, mostra que há uma história a ser contada.
A quarta faixa, Segredo Solar, já é conhecida pelo público. É uma das músicas já lançadas que antecedem o disco e que fala sobre o dom de ter poesia no olhar, principalmente quando se trata da natureza, que é algo pelo qual Iuna ama escrever e cantar.
Nessa parte do álbum, outra vinheta como uma fita gravada faz o interlúdio para a próxima canção, Transe, música que nomeia o disco, “justamente por ter esse efeito sobre mim, e conseguir levar o público a sentir esse mesmo transe, sentir envolvimento com todas as faixas, e trazer profundidade as sensações que o disco leva a sentir”.
Outra canção conhecida por estar no EP homônimo, Nosso Jardim é uma música que fala sobre amor, sobre se deixar sentir, se permitir. Tem uma levada gostosa e envolvente, é uma canção muito aclamada pelo público.
Vendaval é uma canção escrita em criolo, que carrega toda a potência dos tambores maranhenses, chega a ser uma das canções do disco que mais representa essa musicalidade. Seguido de Estrela, que foi lançada recentemente com uma roupagem diferente e tem participação de Xênia França. É uma canção que fala sobre a força feminina, e o sagrado (através da energia das yabás).
A décima faixa, Silêncio, é composição de Luedji Luna e Héloa, e carregada de significados. “Buscamos trazer ela para o universo baiano, porém sem deixar de mostrar outras referências como o jazz, e outros estilos musicais predominantemente negros”. A faixa foi indicada ao Prêmio Multishow na categoria Brasil.
Em uma vinheta de reggae, abre espaço para Não Tempo, que fala diretamente sobre o tema do disco, a presentificação dos ancestrais vivos, por isso é um feat com Lazzo Matumbi, uma das maiores referências musicais de Iuna, e traz o charme do reggae maranhense.
Fechando Transe, antes da última faixa, a Cantiga Vihdavice abre pra À Maria, que apresenta a energia de canção de ninar. “Fala sobre o acalante de Iemanjá com seus filhos, então utilizamos muito dos synths para trazer essa sensação de água de mar, de leveza e delicadeza”, finaliza Iuna.